Considerações interessantes tecidas por
Pedro Burgos sobre petições online
Mais de 300 mil pessoas colocaram seus nomes e emails em um
abaixo-assinado em repúdio à candidatura de Renan Calheiros à presidência do Senado. Os senadores eleitos não ligaram muito para a
voz da internet
e escolheram o candidato governista, que já tinha sido presidente da
casa de 2005 a 2007, quando renunciou por causa de denúncias de
corrupção. Agora, circula pelas redes sociais
uma nova petição, exigindo o seu
impeachment,
e já são mais de 100 mil emails cadastrados. Ela não terá qualquer
valor prático, de novo, mas levanta alguns questionamentos
interessantes.
A grande dúvida é sobre o poder de viralização de
marchas virtuais.
Manifestações populares nas ruas seguem com cada vez menos público –
vide as genéricas “marchas contra a corrupção” recentes – mas, online,
as multidões se aglomeram rapidamente, bradando hashtags de ordem. Na
hora que gastei para escrever isto, mais de 10 mil pessoas preencheram o
formulário simples da
Avaaz (“A Voz”), que se define assim:
A comunidade virtual da Avaaz atua como um megafone para chamar
atenção para novas questões; como um catalisador para canalizar as
preocupações públicas dispersas em uma única campanha específica e
concentrada; como um carro de bombeiros que corre para oferecer uma
rápida reação a uma emergência súbita e urgente; ou como uma
célula-tronco de ativismo que cresce na forma mais adequada para
preencher alguma necessidade urgente.
Para os mais deslumbrados com o “poder da internet” (Clay Shirky et
al), as petições online, mesmo que fiquem apenas no mundo online, são
poderosas em si, por dar voz e volume às revoltas populares. Al Gore, um
cara que todo mundo respeita, teria dito “A Avaaz é inspiradora… e tem
feito uma tremenda diferença.” (ou pelo menos é isso que diz o site). E
mesmo para quem reconhece a falta de alcance prático de uma coletânea de
emails mas ainda assim é otimista, as petições da Avaaz podem ser um
indicativo importante do desejo da população, e de certa forma
influenciam as manifestações
reais. No caso Renan, por exemplo, a petição virou reportagem em vários jornais, e senadores citaram-na na tribuna, antes de votarem
secretamente para eleger o peemedebista de Alagoas.
Mas todos os
cases de real sucesso da Avaaz, uma organização transnacional sem fins lucrativos
1, envolveram ações além do virtual. Há alguns bem interessantes,
como este em Mianmar, que envolveu bem mais que cliques e emails. Na descrição do próprio Avaaz:
Milhares de membros da Avaaz pressionaram a União Européia por
sanções mais fortes dirigidas aos oficiais da junta militar de Mianmar,
mais de 2.000 membros em Singapura enviaram mensagens para seu Ministro
das Relações Internacionais pedindo mais firmeza nas relações com os
militares de Mianmar, e 50.000 se comprometeram em boicotar Chevron e
Total Oil pressionando-os a pararem de fazer negócios com a junta
militar. Quando a junta militar proibiu câmeras, telefones celulares, e
ligações à Internet como parte da sua repressão, membros da Avaaz doaram
mais de USD$ 320.000 para prestar apoio técnico e treinamento para o
movimento democrático – fundos distribuídos no território do país por
parceiros da Avaaz no Open Society Institute. A Avaaz enviou uma missão à
fronteria entre a Tailândia e Mianmar que se reuniu com os principais
líderes pró-democracia e garantir a utilização sensata dos recursos
doados pelos membros.
Mas voltemos à petição pelo impeachment do Renan. Ela foi criada por
uma pessoa qualquer, irritada, como tantos, por ter sido “chamada de
palhaço” depois da outra petição. Não há muita informação na página:
apenas o nome da
causa que deveria ser auto-explicativo (“Impeachment do Presidente do Senado: Renan Calheiros”) e uma justificativa pseudolegal:
Vamos conseguir 1.360.000* de assinaturas (1% do eleitorado nacional)
e levar esta petição a votação!! Pela Iniciativa Popular: Constituição
Federal de 1988 Art. 61. § 2º – A iniciativa popular pode ser exercida
pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito
por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo
menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos
eleitores de cada um deles.
Longe de mim defender o senador, mas não há links para algum artigo explicando as denúncias contra ele
2,
ou o motivo pelo qual ele deve ser impedido. Isso deveria ser bem
importante, até para educar o cidadão e aproximá-lo do noticiário de
política, mas como boa parte das
causas de internet, esta tem de ser simplificada para caber em um tuíte.
Mas vamos ter fé que todo mundo já está careca de saber as denúncias,
que todo mundo lembra do aluguel e pensões pagos por lobistas e já está
sabendo das novíssimas acusações.
Assumindo que os signatários
já sabem por que Renan – o candidato apoiado pelo governo eleito pela
maioria e aprovado por mais de 70% da população – não deve tem condições
morais de ser presidente da Casa, vamos nos concentrar no que está
proposto. Pelo texto na Avaaz, se 1% do eleitorado assinar, a petição
será votada no Congresso, como a Ficha Limpa.
Há dois erros aqui. O primeiro é achar que um email e nome (sem RG,
CPF, ou assinatura de próprio punho) equivale, para fins legais, a uma
“assinatura”. Não vale. A Lei Ficha Limpa (PLP 518/09), citada como
exemplo de Iniciativa Popular, teve mais de 1 milhão de assinaturas
dessas trabalhosas, que envolve gente coletando canetadas em todo o País
por mais de um ano. É interessante lembrar que a Avaaz entrou na onda
também, mas apenas quando ela já tinha chegado à Câmara – cada
assinatura online disparava uma mensagem para os deputados votarem pela
aprovação do projeto de lei.
No caso de Renan, mesmo que 1,3 milhão de emails valessem como
assinaturas, a movimentação também seria inócua. Artigo 55, § 2º da
Constituição, que fala sobre o que pode provocar a perda de mandato:
a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação
da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso
Nacional, assegurada ampla defesa.
No que se refere ao impeachment, a voz do povo é a voz… do povo. A
bem da verdade, a petição não deixa claro se quer o impeachment do
senador ou apenas tirá-lo da função de presidente. De todo modo, a
presidência do Senado (ou o impeachment do presidente) só poderá ser
decidido pelo próprio Senado. A não ser que mudem a lei sobre o assunto,
o que não é o caso.
Resumindo: a petição é inútil, e lembra aquelas correntes que sempre
são ressuscitadas perto das eleições pregando o voto nulo (se 50% das
pessoas votarem nulo, Papai Noel aparece, ou algo assim). Se eu pudesse
transferir as assinaturas para outra petição, chamaria a atenção das
pessoas para a campanha pelo voto aberto. Há algumas petições sobre o
assunto na própria Avaaz
3,
mas por algum motivo elas não são lá muito populares. Se os senadores
tivessem que declarar o voto talvez o placar da votação para presidente
fosse um pouco diferente – ao menos os senadores de “oposição” (aspas
bem grandes) teriam votado contra e a gente teria a sensação de que mais
políticos ligam para o que a população pensa.
Não estou atacando quem assina as petições. Na sexta-feira escrevi no
meu Facebook que ficava admirado com o “otimismo” das 300 mil pessoas
que assinaram a petição anti-Renan. Fui criticado pelo meu
“conformismo”, mas a mensagem não era essa. Para esclarecer mais uma
vez: eu aprecio de fato o otimismo das pessoas (todos que vi
compartilhando eram “de bem”), mas ao mesmo tempo fico um pouco
incomodado com a inocência. Está bem claro que petições mal-formuladas
assim são absolutamente inócuas.
Mas elas podem fazer mal? Ainda não me decidi, mas essa é uma questão
que ocupa a mente de teóricos da internet, como Evgeny Morozov, autor
de um livro bem interessante chamado
The Net Delusion:
(que tem o subtítulo em inglês “o lado negro da liberdade da
internet”). Ele põe em dúvida não apenas a eficácia, mas a própria razão
de ser do chamado “slacktivism” (ativismo preguiçoso) ou
“cliquetivismo”
4, e questiona:
Será que a publicidade conseguida através do uso maior das novas
mídias vale as perdas organizacionais que as entidades ativistras
tradicionais provavelmente sofrerão, à medida que pessoas comuns começam
a desistir de ativismo convencional (marchas, ocupações, confrontação
com a polícia, litigância estratégica, etc), que tem a eficiência melhor
provada, e começam a abraçar mais formas de “ativismo de sofá”, que
podem ser mais seguras mas as quais tem eficácia largamente
não-comprovadas?
Essa é uma questão que vem e volta a cada #forasarney no Twitter e,
como Morozov comenta, faltam estudos científicos para comprovar – ou
desprovar – a tese de que os ativistas de sofá perdem o interesse pelas
manifestações tradicionais. Que um clique vira “manifestação
suficiente”, quando deveria ser apenas o começo.
Na dúvida, use as mesmas ferramentas eletrônicas, mas de forma mais
direta. Siga as notícias da política com mais atenção e mande um email
(ou um reply no Twitter) cobrando o seu parlamentar sobre as questões
importantes. Dá um pouco mais de trabalho, mas pelo menos você pode
escolher o assunto do protesto. Já é um início.